Sergio Cruz Lima

Lundu: a música proibida

Por Sergio Cruz Lima

Houve no Brasil, uma música cognominada Musiquinha do diabo. Seu nome é lundu, uma variante da modinha. Seus textos, porém, são irônicos, maliciosos, cômicos e indiscretos. Trazido d´África pelos escravos, o lundu é originário de Angola. Importado pelo Brasil é inicialmente cantado e dançado nas senzalas. Aos poucos, porém, começa a ganhar espaço e se torna muito popular nos teatros e salões do fim do Império e tempos iniciais da Primeira República.

Falando sobre o lundu, Mário de Andrade afirma que ele surgiu nas senzalas baianas, mas foi a mulata quem lhe ofertou languidez e malícia. Araripe Júnior, diz que coube a Gregório de Matos, o "Homero do lundu", dar-lhe direito de cidade, aperfeiçoando-o nos engenhos do Recôncavo Baiano ao som da célebre viola fabricada por suas próprias mãos. Renato Almeida, por seu turno, escreve que "há no lundu uma leveza de pisar, um airoso de porte e uma meiguice de voz que não se encontra em nenhuma outra das manifestações similares de outros povos mestiços". E conclui: "A maior originalidade do lundu consiste no ritmo resultante da luta entre o quaternário rudemente sincopado dos africanos e a ampliação da serranilha lusitana". Sobretudo em terras baianas, o lundu teve os melhores cultores. Basta citar-se: Xisto Bahia, Antônio Calado e o Padre Teles. A divulgação do lundu é enorme e, dessa forma tradicional do canto afro-brasileiro, nascem várias danças e cantigas. Dele derivam-se todas as cantigas brejeiras e maliciosas, muito apreciadas pela sociedade carioca de outras eras e, em certa época, de presença obrigatória nas representações teatrais, pois o povo não entendia teatro sem canto. E canto malicioso. Em Portugal não é menor o êxito do lundu, considerado canção lusa, que também penetra nas casas nobres e nos palácios aristocráticos de Lisboa. Oliveira Martins assevera que "o lundu, em tempos de dona Maria I, a Louca, avó de Dom Pedro I, ensandece as meninas casadoiras e se refere a mulatos célebres e autênticos, aplaudidos por dar ao lundu um acento libidinoso como ninguém. É uma feiticeira melodia sibarítica em lânguidos compassos entrecortados, como quando falta o fôlego".  

Santana Néri descreve-o minuciosamente, explicando os requebros e neganças dos dançarinos na execução da complicada coreografia. Os movimentos dos dançarinos vão-se tornando cada vez mais ofegantes, movendo-se em apaixonada vertigem, enquanto a viola suspira e os assistentes, entusiastas, batem palmas. Nos teatros, durante os intervalos entre os atos, ele é dançado em cena para divertimento da assistência que não poupa aplausos aos bons dançarinos nem aos cançonetistas mais divertidos.

Fala-se que o lundu origina o fado português. Como canção atinge os domínios da licença, existindo inclusive "lundus somente para homens", o que torna inútil aditar qualquer comentário explicativo. Diversas autoridades religiosas, como o bispo Antônio do Desterro, combateram e condenaram o lundu, ameaçando com severas penas eclesiásticas aqueles que ousassem cantar ou dançar a "musiquinha do diabo". Mas o povo rebela-se. Nunca houve tanto lundu. Nunca se dançou tanto lundu. Entre anedotas, riso e ironias, Dom Antônio, ironizado em prosa e verso, capitula e revoga o veto. Vence o lundu, que persiste sendo cantado e dançado nas quadras tupiniquins.

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